Ao observarmos a arquitetura clássica, não estamos apenas diante de colunas e frontões imponentes — estamos diante de um sistema de composição formal altamente elaborado, baseado em princípios de ordem, equilíbrio e proporção. Nesta segunda parte da nossa série, vamos entender como esses fundamentos deram origem a uma linguagem arquitetônica que perdura até hoje.
Desde o período greco-romano, arquitetos e pensadores buscavam entender como criar formas que evocassem harmonia. Um dos princípios mais emblemáticos dessa busca é a proporção áurea, cuja fórmula matemática (φ ≈ 1,618) foi descrita por Euclides em 300 a.C., embora seu uso anteceda sua formalização. A proporção áurea já aparece na planta e na fachada do Parthernon (447 a.C.), por exemplo.
Pathernon
Essa proporção não é arbitrária: ela está profundamente conectada ao modo como percebemos beleza. A harmonia visual gerada por essas relações matemáticas reflete padrões que vemos na natureza — no corpo humano, nas folhas, nas conchas. O olhar humano reconhece, intuitivamente, quando há equilíbrio formal. Por isso, a proporção áurea se mantém como uma das bases da estética ocidental.
Na Idade Média, o conceito da proporção áurea se desdobra na Sequência de Fibonacci (século XIII), em que cada número é a soma dos dois anteriores (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13…). Quando representamos graficamente essa sequência, surge uma espiral — símbolo de crescimento orgânico. Essa espiral é visível em inúmeros elementos da natureza e, aplicada à arquitetura, permite um desenvolvimento de projeto fluido e proporcional.
Sequência de Fibonacci
Seja por meio da proporção áurea ou da sequência de Fibonacci, o objetivo é o mesmo: alcançar um equilíbrio que seja, ao mesmo tempo, funcional e estético.
A arquitetura clássica também codificou suas composições em ordens arquitetônicas. Estas ordens não são apenas padrões decorativos: são sistemas construtivos que determinam proporções, detalhes e hierarquias. São elas:
Ordem Dórica – Mais austera e sólida, com colunas robustas e capitéis simples. É a ordem do Partenon e da arquitetura grega arcaica.
Ordem Jônica – Mais esbelta, com volutas ornamentais no capitel. Presente no Panteão e outras obras romanas.
Ordem Coríntia – Extremamente ornamentada, com capitéis representando folhas de acanto. Amplamente usada no neoclassicismo francês.
Essas ordens estabelecem uma hierarquia visual e são usadas tanto para organizar fachadas quanto para criar interiores harmônicos.
Templo de Hera, em Paestum, Itália (c. 550 a.C.)
Lincoln Memorial, Washington, D.C. (1922)
No Renascimento, o foco se desloca do divino para o humano. O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci (1490), representa essa mudança de paradigma. Baseado nos escritos do arquiteto romano Vitrúvio, a figura humana passa a ser o referencial absoluto de proporção, marcando o início de uma arquitetura voltada ao conforto, funcionalidade e estética centrada no ser humano.
Homem VitruvianoLeonardo da Vinci
Essa ideia se intensifica na era moderna com Ernst Neufert (1936), que sistematiza a ergonomia e define proporções ideais para todos os elementos do espaço construído, influenciando profundamente o design e a arquitetura do século XX. Sua obra A Arte de Projetar em Arquitetura se torna um manual essencial.
A arte de projetar a arquitetura – Ernst Neufert
Poucos anos depois, Le Corbusier retoma a ideia de uma proporção ideal com o Modulor (1943), uma figura humana com 1,83m de altura, usada como base para uma nova malha proporcional derivada da proporção áurea.
ModulorLe Corbusier
Villa SavoyeLe Corbusier
A obra-prima de Le Corbusier, a Villa Savoye, materializa essa lógica de composição harmônica com base em cinco princípios fundamentais da arquitetura moderna:
Pilotis – Elevam a construção e integram o edifício à paisagem.
Telhado-jardim – A cobertura se transforma em espaço funcional.
Planta livre – Sem paredes estruturais internas, o espaço ganha fluidez.
Janelas horizontais – Favorecem luz natural e ventilação contínua.
Fachada livre – Sem ornamentos, voltada para a função e a pureza formal.
Embora estilisticamente distintos da arquitetura clássica, os projetos modernos de Le Corbusier ainda dialogam com os princípios de proporção e harmonia herdados da tradição greco-romana.
Essa continuidade de princípios ao longo dos séculos nos mostra que, mesmo diante das rupturas estéticas e funcionais promovidas pelo modernismo, certos fundamentos permanecem atemporais. A busca pela proporção, pelo equilíbrio e pela relação harmônica entre forma e função transcende estilos e épocas, revelando que a boa arquitetura — seja ela clássica ou moderna — é sempre aquela que respeita e responde ao corpo humano, ao espaço e ao tempo em que está inserida.
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